Ziguezagues nas Pescas — Opinião de Sofia Ribeiro

Aprovámos esta Quinta-Feira no Parlamento Europeu um relatório sobre a “Gestão das frotas de pesca das Regiões Ultraperiféricas” (RUPs). Quem foi o responsável (a que chamamos relator) pela sua redacção inicial e pelo subsequente processo de negociações? Seria de esperar que fosse um Deputado Português, Espanhol ou Francês, uma vez que estes são os únicos Estados-Membros que têm RUPs, mas os socialistas europeus (que ficaram responsáveis por este processo) escolheram uma Alemã.

Poder-se-ia deduzir que esta senhora, de seu nome Ulrike Rodust, fora escolhida por ter dado provas da sua elevada solidariedade para com os assuntos de pescas nestas regiões, até porque fez um périplo a algumas destas para se inteirar da sua situação.

Esteve, inclusive, nos Açores, integrando a delegação da Comissão Parlamentar das Pescas que nos visitou em Abril de 2015. Pois bem, ainda hoje estou para perceber que critérios presidiram à decisão dos socialistas, porque tal escolha se revelou catastrófica. A Eurodeputada Rodust acabou por liderar um movimento de oposição às propostas apresentadas pelos nove Eurodeputados das RUPs, de defesa de apoios públicos (nacionais e europeus) à renovação das embarcações de pesca artesanal e tradicional. Fê-lo não apenas no seio do seu grupo político, como no âmbito das votações em Comissão e em Plenário.

A nossa pretensão era mais que justa – pretende-se atribuir meios técnicos que permitam aos nossos pescadores trabalhar com igual competitividade com os seus congéneres de outros Estados-Membros, dispondo assim de embarcações que permitam uma pesca mais sustentável e diversificada; há que garantir a segurança dos pescadores, diariamente posta em causa por embarcações obsoletas; são necessários instrumentos de trabalho e de armazenamento do pescado a bordo, de modo a acrescentar valor de mercado; estão em causa embarcações de pequeno porte, não se pretendendo aumentar o esforço de pesca; e está também em causa uma questão de protecção do ecossistema marinho, assegurando embarcações que utilizem carburantes menos poluentes. Alertámos, ainda, para o grande impacto económico e social do sector da pesca nas RUPs, para o seu legado cultural e para as elevadas taxas de desemprego registadas nestas regiões. Em suma, estava em causa uma matéria de marcada importância não só económica, mas também ambiental e fundamentalmente social, que me tem vindo a ser colocada pelos pescadores e armadores nas várias reuniões sectoriais que tenho desenvolvido ao longo do mandato.    

Não obstante estas justificações, a relatora socialista manteve-se irredutível até ao fim. Defendeu que a nossa proposta violava a Política Comum de Pescas, que o Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP) não permite tais apoios, que a autorização da utilização de fundos públicos para a renovação das embarcações para as RUPs iria abrir uma “caixa de Pandora” e fazer com que outras regiões e Estados-Membros também queiram usufruir de mecanismos semelhantes. O colega Ricardo Serrão Santos, coordenador dos socialistas na Comissão Parlamentar das Pescas (e, portanto, também da senhora Rodust) teve um “braço-de-ferro” dentro do seu próprio grupo, numa situação muito infeliz, em que houve grande dificuldade em fazer valer as derrogações e adaptações necessárias às RUPs, plasmadas no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. Não saiu nada bem nesta fotografia. E não pode conceder em função de um putativo “efeito pernicioso dos subsídios em geral”, como fez. Em prol dos nossos interesses, tem de perceber que é bem diferente regular para garantir a eficácia da atribuição de subsídios e não ser genericamente contra os mesmos.

Convém não esquecer que nada disto teria acontecido se tivéssemos ainda um POSEI Pescas e se os Governos das RUPs não tivessem admitido a perda deste programa autónomo, que passou a integrar o FEAMP, em troca de um aumento pontual do seu pacote financeiro. Foi o que aconteceu no mandato passado. Com o POSEI não havia receio de se abrirem “caixas de Pandora”…

A proposta dos Eurodeputados das RUPs acabou por sair vencedora em Plenário, o que significa que, na preparação do próximo quadro financeiro plurianual, a Comissão tem como recomendação a necessidade de financiamento da renovação de embarcações nas RUPs. Mas também se extrai outro resultado muito importante, pois de voz única em defesa do retorno de um POSEI Pescas, passei a estar acompanhada nesta pretensão. A Pesca sai a ganhar.

 

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