Quem semeia ventos… ou onde estão os “homens bons”? — Opinião de Maria do Céu Patrão Neves

“E lamentavelmente, porque os nossos rivais são uma cambada de animais estúpidos, que não prestam atenção, não conseguiram simplesmente afastar-se do percurso deste carro, e algumas pessoas ficaram feridas” – foi assim que o supremacista branco norte-americano Christopher Cantwell explicou à comunicação social a acção do carro que, em Charlottesville, se atirou contra os manifestantes que os contestavam pacificamente, matando uma mulher de 32 anos e ferindo mais 19 pessoas. “Penso que foi mais do que justificado; penso que muito mais gente vai morrer antes de terminarmos” – acrescentou Cantwell enquanto exibia as armas de fogo e as armas brancas de que se faz acompanhar corroborando uma outra sua afirmação paradigmática: “Estou a tentar tornar-me mais capaz de violência.”

Não prossigo a narrativa deste suposto herói racista que, mais tarde, se apresentou a desfazer-se em lágrimas e a clamar nada saber sobre a violência racista em Charlottesville (na qual afinal nem teria participado) assim que tomou conhecimento de um mandato policial para a sua prisão.
O desfecho deste episódio e as suas circunstâncias não alteram em rigorosamente em nada os factos iniciais, o seu significado e as suas consequências.

Christopher Cantwell já existia antes do eclodir da violência racista em Charlottesville e já pensaria e sentiria como então se exprimiu, à semelhança de tantos outros que, nos Estados Unidos, nunca deixaram de existir desde a guerra da secessão, e que, no resto do mundo, existem também. O fundamental hoje é determinar se estes são resquícios de um tempo passado que o progresso moral da sociedade vinha conduzindo paulatinamente à extinção ou se se trata de um recrudescimento do passado, de um testemunho do presente em mutação e um arauto do futuro que se pretende em que cada um de nós, cada pessoa, poderá vir a ser catalogada pelo seu sexo, pela cor da sua pele ou pelo dinheiro… Muito antes do discurso desta semana de Donald Trump, lido no ponto televisivo, ter afirmado que nenhuma destas três características nos definem, já antes o tínhamos ouvido, em discurso espontâneo, afirmar exactamente o contrário. Aliás, chegou mesmo a dizer que só queria na sua administração gente milionária porque os pobres são “losers”, perdedores, fracassados…e – ironicamente – foi aplaudido por uma audiência de milhares de “losers”, pobres de espírito iguais a Trump…

Charlottesville e as palavras desculpabilizadoras de Trump em relação aos terroristas supremacistas incendiaram a desconfiança, o medo e o ódio entre os americanos que já se vem instalando desde a campanha eleitoral desta bizarra personagem e se vai propagando ateada pelo próprio. Também a nível internacional insultou povos (mexicanos) e religiões (islão), rompeu acordos comerciais (União Europeia) e acordos sobre as alterações climáticas (Paris), aumentou sanções (Rússia), reforçou o exército (Afeganistão) e ameaçou a guerra (Correia do Norte) … Que esperar de um Presidente que retweeta um cartoon de um comboio a atropelar um jornalista da CNN?! Numa democracia saudável, não teria lugar…

Os Estados Unidos são hoje um país internamente fracturado, em que a contestação e a instabilidade social grassam, em que as sementes da violência quotidianamente tweetadas se propagam; externamente são um país que vai compensando a perda de influência a nível mundial com o crescendo de ameaça que semeia por todos os continentes, acicatando diferendos antigos, despoletando novas discórdias, disseminando temores.

Enquanto os homens bons “não fazem nada” (E. Burke: “Para que o mal triunfe, basta que os bons não façam nada”), Trump continuará a semear ventos de violência…

 

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