O Parlamento Europeu também decide

São comuns as referências ao Parlamento Europeu como um mero órgão consultivo, como se a sua intervenção se limitasse à determinação de linhas orientadoras que apenas subsidiariam a acção da Comissão Europeia e do Conselho. Deste tipo de discurso decorre imediatamente a categorização do trabalho dos Eurodeputados como iminentemente diplomático. Nada mais errado. E perigoso!

Não obstante o Parlamento Europeu tenha, de entre as suas competências, a aprovação de Pareceres sobre as propostas legislativas apresentadas pela Comissão, a sua acção não se limita à emissão de uma opinião. Pelo contrário, as suas competências têm vindo a ser incrementadas e o Tratado de Lisboa colocou-o definitivamente como um co-decisor, com a faculdade de propôr, definir e bloquear as políticas europeias em diversas áreas.

A capacidade de bloqueio constitui uma importante ferramenta de que os Eurodeputados dispõem e que condiciona todo o processo legislativo e de organização da UE. Foi o que sucedeu, por exemplo, quando o Parlamento rejeitou a indicação da Comissária pela Eslovénia, obrigando Juncker a reformular a composição da Comissão. Na próxima legislatura, um dos desafios que se colocam face a um possível aumento de eurocépticos na constituição parlamentar será o da eleição do Presidente da Comissão Europeia e da sua equipa, sem o qual a União Europeia pára.

Esta faculdade de bloqueio eleva a capacidade de proposição pelo Parlamento Europeu a um patamar superior. A Comissão e o Conselho são forçados a incluir as exigências definidas pelo Parlamento nos processos negociais, sob pena destes serem rejeitados. A título exemplificativo, note-se que o processo de saída do Reino Unido da União está a ser condicionado pelo Parlamento, que estabeleceu condições mínimas de protecção dos cidadãos e das fronteiras, que o Governo Britânico tem de seguir, sob pena de termos uma saída sem acordo.

Em paralelo, o Parlamento tem a capacidade de se sentar à mesa das negociações, de igual para igual com o Conselho, trabalhando na letra da lei. Isto requer uma maior especialização do trabalho parlamentar, quer no domínio técnico dos assuntos em análise, quer na sua capacitação negocial. O Parlamento tem vindo a aprofundar este nível de intervenção pela qualidade do seu trabalho, associada à experiência, e é cada vez melhor assessorado por técnicos mais capacitados. Este aprimoramento da especialização traz novas dinâmicas na negociação tripartida, conferindo maior exigência à actuação do Conselho, que passa não apenas a ter de gerir os interesses dos Estados-Membros, como a ter de aproximar-se da posição dos Eurodeputados.

Relegar, assim, a acção do Parlamento Europeu a um mero órgão de consulta, coloca em causa o próprio processo de selecção dos Eurodeputados, aquando das eleições europeias, na medida em que nos afasta de uma valoração por níveis de competência. Mas pior do que isto, desvaloriza o trabalho do único órgão europeu directamente escolhido pelos cidadãos, o que em nada abona na luta contra a abstenção. Persistir na desvalorização do trabalho parlamentar apenas contribui para o fomento de eurocepticismos.

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