Acordei cedo, aliás como acontece na maioria das vezes. Gosto das manhãs, gosto do friozinho matinal, do silêncio de um mundo ainda em repouso, do lusco-fusco que perfura a persiana, do cheirinho a café que paira no ar, da serenidade de um lar ainda há poucas horas em completa agitação. Se o dia é de semana, falta pouco tempo para começar a correria entre ambos os quartos e os respetivos Wc. O mais velho, desde sempre que é o mais dorminhoco aliás, todos fogem a “sete pés” da tarefa de o acordar… Ao invés (como em tudo!) a mais nova, rapidamente abre o olho e se coloca em sentido. – Já lavaste os dentes? E a cara? Infelizmente não basta perguntar, quase sempre é preciso verificar se a resposta corresponde com o rosto apresentado. – Estamos a ficar atrasados! O pequeno almoço está na mesa! Despachem-se! A mais nova é a primeira a sentar-se, nem que seja para cumprir a árdua e assídua tarefa de entornar o leite por cima de si mesma e/ou da mesa. – Tens que mudar de camisola! Rápido! O mais velho acabou de se chegar à cozinha e a confusão já está instalada. Enquanto limpo os vestígios da asneira, desabafo: – É sempre a mesma coisa, sempre! – Lá está a mãe chateada. Sussurra o mais velho ao ouvido do pai e quase em tom de provocação, na base do pré-adolescente zen, dirige-se a mim: – calma mãe! Estás maldisposta? Depois em tom irónico faz questão de gritar aos céus: A mãe acordou maldisposta hoje! E lá estou eu cumprindo a tradição de rodopiar a mil/ hora entre a cozinha, os lanches, as mochilas, os casacos e voilá, finalmente dentro do carro! – Quero aquela musica mãe! Não, hoje escolho eu, quero a outra! Não, ontem foste tu que escolheste! Mentirosa, foste tu! E assim começa mais um dia.
À medida que se aproxima o final do dia de trabalho, começam a surgir os compromissos pós-laborais, entre atividades dos miúdos, à necessidade de passar no híper, aos testes escolares previstos para os próximos dias, o jantar que está por fazer, o banho que ainda é preciso inspecionar, os famosos trabalhos de casa, à mistura com uma casa a precisar de alguma organização, ou com alguma preocupação/ pendente que ficou a remoer, resultado de um dia de trabalho, o cenário é perfeito para detonar qualquer bomba que apareça pelo caminho!
O jantar correu com normalidade. Finalmente são horas de arrumar a cozinha… Ainda não comecei a limpar o chão e a mais nova já está a pedir a ceia! – Xiça, ainda agora acabamos de jantar! – penso. Vá lá, vou fazer o leite… Olho de canto para o relógio da cozinha… Já passa das 21h30, são horas de os ir deitar. Mais uma ou duas birras e acabam por adormecer.
O balanço impõe-se. No meio destas e de tantas outras tarefas, foram várias aquelas que ficaram por fazer, ou que ficaram bem aquém daquilo que seria expectável, ou pelo menos daquilo que me exijo enquanto mãe e mulher. Esta luta constante, com vista a uma utópica perfeição, é travada por inúmeras mulheres, independentemente de ser mães ou não, levando-nos, não raras vezes, a culpabilizarmo-nos por cada tarefa menos bem conseguida, consequência de uma sociedade assustadoramente predisposta a apontar as nossas falhas, ignorando propositadamente todas as nossas conquistas.
Enquanto mãe, filha, esposa, tia, sobrinha, prima, amiga, colega, mulher, com a devida vénia a quem opte por outro caminho, eu prefiro render-me e deixar que, a cada dia, a cada vitória, a cada derrota, a cada momento, floresça e se consolide a certeza da minha orgulhosa imperfeição.