Greve pelos sábados?! A sério?! — Opinião de Maria do Céu Patrão Neves

Os trabalhadores da AutoEuropa fazem greve porque não querem trabalhar ao sábado…?! A empresa contrapõe à obrigatoriedade de trabalhar aos sábados a garantia de 5 dias individuais de trabalho, distribuídos entre segunda a sábado, com uma folga fixa ao Domingo e outra rotativa ao longo da semana, a que acresce um pagamento mensal de €175, e ainda mais 25% de subsídio de turno e a atribuição de um dia adicional de férias, o que corresponderá a um incremento total de 16% no rendimento mensal.

E não querem trabalhar ao sábado…?! Os prejuízos imediatos da greve reportam-se à quebra na produção média de 400 carros por dia, o que corresponde a 5 milhões de euros diários.

E não querem trabalhar ao sábado…?! Os riscos reais iminentes são os de, no futuro, não vir a ganhar a produção de novos veículos, como o T-Roc, atribuído este ano pela Volkswagen à fábrica de Palmela e da produção prevista de 240 mil veículos/ano ser deslocalizada (pelo menos parcialmente). Esta conquista (de 677 milhões de euros de investimento) implica sempre modernização de equipamentos, formação complementar, mais trabalho garantido (havia a intenção de contratar mais 2.000 trabalhadores em 2018), crescimento da riqueza e dinamização da economia para a região e para o país; mas exige paz social e confiança no trabalho de qualidade.

E não querem trabalhar ao sábado…?! Estão mesmo a falar a sério…?! É mesmo por causa do sábado que fazem greve…?! Mas vamos cá ver, quantos de nós trabalham ao sábado, sem qualquer contrapartida por ser fim-de-semana? E quantos trabalham ao Domingos e feriados? Quantos trabalham à noite? E quantos trabalham em turnos em constante rotação, semana após semana, ano após ano? Dizem os trabalhadores da AutoEuropa que trabalhar ao sábado prejudica a vida familiar… Serão eles os únicos a terem família entre os que efectivamente trabalham aos sábados, aos Domingos e feriados, às noites e por turnos..?!

É lamentável que o “braço de ferro” entre partidos políticos, que a sua luta por território de influência social na AutoEuropa, através da ocupação da comissão de trabalhadores, sacrifique os reais, objectivos e inequívocos interesses dos trabalhadores. É lamentável que os trabalhadores se deixem assim candidamente ludibriar e vilmente manipular, tornando-se peões de um jogo a que não pertencem. É lamentável que os sindicatos, em Portugal, especificamente os afectos à CGTP-Intersindical, sejam meros prolongamentos de interesses partidários, tornando-se mais frequentemente factor de perturbação e convulsão social do que de construção de mais emprego e melhores condições de trabalho, empenhando-se mais na conquista de poder para si do que na negociação de benefícios para quem representam.

Mas este é, afinal, um dos problemas actuais dos sindicatos: é que representam poucos trabalhadores! Nas últimas três décadas a taxa de sindicalização diminui 41,8%, caiu de 59% para 11% de trabalhadores sindicalizados; no sector privado apenas cerca de 9% de trabalhadores são sindicalizados. Os sindicatos representam-se mais a si próprios do que aos trabalhadores. E enquanto continuarem a agir como vêm fazendo na AutoEuropa, dando corpo a interesses partidários, lutando pelo seu próprio poder, prejudicando os trabalhadores, este esvaziamento de representatividade dos sindicatos continuará. Eis o que é também lamentável, porque o movimento sindical ganhou ao longo da sua história uma herança preciosa de desenvolvimento social que convinha não desbaratar.

E bom sábado a todos, também os que trabalham neste dia, que são afinal a maioria!

 

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