Conciliação entre as vidas profissional e familiar — Opinião de Sofia Ribeiro

A Comissão Europeia apresentou uma proposta de Directiva sobre a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar, com o objectivo de criar condições para que mulheres e homens possam, com maior liberdade, escolher como vão gerir a partilha de responsabilidades familiares e profissionais. Este é um tema de difícil consenso à escala europeia que requer a gestão de sensibilidades, das quais destaco o direito à protecção familiar, a equidade de géneros, a progressão profissional, a gestão das empresas e a protecção dos sistemas de segurança social. Compreendo a dificuldade da Comissão, que por um lado não pode extremar posições, sob pena do Conselho inviabilizar qualquer resposta legislativa, e por outro se debate com uma questão que, no meu entendimento, não se esgota nos mais comuns direitos à parentalidade, o que requer uma maior ambição na abordagem do problema. Não obstante esteja ciente do ténue equilíbrio negocial que é extremamente difícil manter, como representante dos cidadãos tenho o dever de integrar indiscriminadamente as suas expectativas numa abordagem mais alargada que a apresentada pela Comissão. Devem, portanto, ser integradas as várias fases em que um ser humano pode requerer o apoio familiar, seja um bebé, pessoa com deficiência ou doença (pontual ou incapacitante) ou um idoso que precisa de assistência. Requer, igualmente, a integração de questões que se prendem com o acompanhamento dos filhos, comprometido pela azáfama dos dias presentes, em que ambos os pais  e os avós trabalham, o que, para além de constituir um dilema diário para os jovens pais, constitui um dos obstáculos à natalidade.

Foi com este intuito que recentemente realizei em Ponta Delgada uma conferência para discussão da temática, com o intuito de recolher contributos que subsidiem a minha apresentação de propostas de alteração ao documento da Comissão que integrem os interesses dos Açorianos. Essa conferência pretendeu também assinalar o Dia do Pai, numa referência aos direitos e deveres dos homens na partilha das responsabilidades familiares. Efectivamente, o acompanhamento familiar é essencialmente prestado no feminino, o que contribui substancialmente para a diferença salarial entre homens e mulheres, em que estas, em média, recebem menos cerca de 17% do que eles, no exercício das mesmas funções. No sentido de diminuir esta discriminação, pretende-se criar mecanismos que incentivem os homens a usufruirem mais da sua licença de paternidade (não consignada na totalidade dos Estados-Membros) e a partilharem uma licença parental em igualdade com as mulheres, em benefício de umas e outros e, essencialmente, da criança, foco principal da equação que deve ser protegida no que concerne ao seu acompanhamento por ambos os seus progenitores.

Mas o desafio da conciliação da vida profissional com a familiar é muito mais abrangente. Não podemos olvidar as questões do direito ao acompanhamento dos filhos ao longo do seu crescimento, consagrando regimes de dispensas específicas, de flexibilidade de horário e do incentivo a regimes alternativos, como o teletrabalho. Implica, igualmente, a consignação da assistência à família, no caso de uma doença pontual e que deve abranger não apenas a assistência a filhos, como aos cônjuges e aos progenitores. Requer uma adaptação dos regimes de trabalho para os progenitores de pessoas (não apenas crianças até aos 12 anos, como actualmente) com deficiência, um drama correlato com a inexistência de suficientes respostas sociais e que implica elevado desgaste emocional. Não esqueçamos, ainda, todas as situações em que um ser humano pode requerer de cuidados num prazo mais alargado, seja por doença incapacitante como é o caso das oncológicas, seja por decorrência natural associada ao envelhecimento. De facto, muito me tem sensibilizado os apelos de pessoas que não conseguem acompanhar os pais já debilitados. Estranha sociedade, esta, em que não conseguimos prestar cuidados a quem nos deu a vida.

Não é uma temática fácil, porque as empresas requerem planeamento que, naturalmente, requer a disponibilidade dos trabalhadores, mas entendo que há espaço para a flexibilidade, nas suas múltiplas dimensões, de forma a que a conciliação entre a vida profissional e familiar seja natural. Porque, no fundo, a vida é una e é esta.

 

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