Compre dentro! — Opinião de Maria do Céu Patrão Neves

Precisava de comprar uns sapatos e fui ‘à cidade’ como dizemos em Ponta Delgada para nos referirmos ao comércio tradicional do centro histórico. Viajo frequentemente por razões profissionais, mas só compro fora o que não encontro dentro. Talvez, por isso, me impressiona sempre ver os muitos, grandes e cheios sacos, das diversas marcas que temos dentro, chegarem de fora, nas cabines dos aviões da SATA (também é preferível viajar na companhia regional), após escapadelas para compras.

Compreendo que se procure sempre o melhor negócio possível nas compras que se fazem, isto é, o melhor equilíbrio entre preço e qualidade; compreendo também que se procure sempre uma ampla variedade de produtos para aumentar o leque de escolhas e assim proporcionar mais alternativas e mais certeza de que se fez uma boa compra. Mas reconheço que tenho dificuldade em compreender estas viagens para compras até Lisboa ou Porto, que se vulgarizaram desde a liberalização do espaço aéreo, carregando de fora muito do que também já cá havia dentro.

Felizmente, estes voos económicos (low cost), que levam alguns dos de dentro às compras lá fora, também têm trazido muitos dos de fora para fazer compras cá dentro. E os nossos comerciantes são hoje unânimes em dizer que são estes que lá vão ajudando a manter as portas abertas. Não estabelecem clientela – é certo –, pois trata-se de compradores ocasionais, mas lá vão fazendo algumas vendas que lhes possibilita adquirir o próximo stock. Fazem-no, em todo o caso, sempre num clima de incerteza que não lhes permite investir em aumentar e modernizar o espaço comercial, actualizar e diversificar os produtos, contratar mais empregados mais qualificados… Para tal precisavam de clientela fidelizada, precisavam de todos nós.

Imaginem que os que de fora vêm comprar dentro se somavam aos que de dentro não iam comprar fora…?! O número de pessoas aumentaria ‘na cidade’, assim como a animação das ruas, com as pessoas a entrar e a sair de porta em porta, até porque aquelas fachadas decadentes e deprimentes de edifícios abandonados teriam desaparecido e ofereceriam então novos espaços comerciais que são também espaços de utilidade e facilitadores do quotidiano ao mesmo tempo que de convívio e distracção.

Imaginem que todos comprariam cada vez mais dentro…?! Ficaríamos todos mais ricos! Pois é, quanto mais gastarmos dentro mais investimos em nós. Se comprarmos dentro, o nosso dinheiro, pouco ou muito, fica dentro: começa por contribuir para o lucro de outros, os quais investem no negócio estabelecido e em novos negócios também, para os quais contratam mais pessoas (nossos familiares e amigos) que passam a ter um ordenado, assim se gerando cada vez mais dinamismo económico e mais riqueza (que reverte a favor do desenvolvimento da nossa própria actividade), num ciclo que se vai sucessivamente potencializando e alargando, envolvendo cada vez mais…

É evidente que este princípio tem de ser responsavelmente praticado pelo governo, autarquias e todos os organismos públicos que devem preferir os produtos e serviços regionais sempre que estes existam; tem de se estabelecer como uma opção consistente de empresas privadas num compromisso social para com a comunidade em que se implantam e onde se querem desenvolver; mas tem também de constituir um acto voluntário de todos nós, respondendo ao que está ao nosso alcance fazer pela comunidade em que vivemos.

Invista em si, investindo nos outros: compre dentro!

 

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