(Com)Cordas — Opinião de Andreia de Sousa

Tudo começou com uma proposta para realizar uma exposição de pintura, ligada aos instrumentos de cordas, para a 3º edição do Festival Cordas, na ilha do Pico, realizado pela associação Miratecarts.

Rápido as ideias e projetos foram aumentando, entre workshops de expressão plástica nas escolas, instalações na Galeria Costa e, aquele que seria “O” projeto da minha vida: pintar uma tela monstruosa (4m X 2m) ao vivo, em apenas 5 dias. Entre a excitação e o medo, e ansiosa por regressar à ilha que tanto me inspira, não hesitei em aceitar o desafio e embarcar numa aventura de criação, por 15 dias. Na primeira semana trabalhei diretamente com as crianças e jovens, que colaboram com a associação MiratecArts, na execução de diversas peças para a minha instalação na Galeria Costa, que falou sobre o poder transformador da arte na sociedade.

Foram 200 quilos de lixo reciclado e horas dedicadas à pintura, com o objetivo de defender a igualdade, respeito e amor para todos… mas houve tempo para tudo, não apenas trabalho…

Eu e, a alma e coração da associação MiratecArts, Terry Costa corremos a ilha de ponta a ponta, parando em todas as freguesias, conhecendo os artistas e os locais, os cafés, museus e restaurantes… e sim, a comida é boa e o vinho é único, mas são as pessoas que transformam este pequeno pedaço de terra no meio do atlântico num paraíso de simpatia e boa disposição.. e foi da experiência e do contacto com as pessoas que surgiu a inspiração para a obra monstruosa que viria a produzir. O medo de falhar na execução do trabalho, já que o tempo de produção era limitado, fez-me concluir que o ideal seria ter apenas uma pessoa representada na tela. Em jeito de brincadeira partilhei com o Terry que iria pintar o professor, músico e compositor Rafael Carvalho, já que é através dele que eu e a geração mais nova conhecemos bem a Viola da Terra.

O Terry concordou que essa fosse a minha inspiração, já que foi através da colaboração dele (Rafael) com a associação Miratecarts que se desenvolveu o Festival Cordas… mas não tardaram a chegar fotos, às dezenas, de tocadores de toda a ilha do Pico. De noite e de dia, vinham fotos e histórias de pessoas que contribuíram para a dinamização da cultura da viola da terra.

O meu medo era imenso, já que por norma são necessárias 30 horas para fazer apenas uma cara e eu teria apenas 35 horas para realizar todo o painel. Além de que, seria de certa forma injusto representar uns em detrimentos de outros…
Ao finalizar a primeira semana de residência fomos juntos a uma festa tradicional ver um grupo de tocadores e a famosa dança da Chamarrita e foi aí que o meu coração se inspirou verdadeiramente e não houve outra possibilidade senão avançar com a representação de diferentes pessoas ligadas a esta tradição…
Nem todos puderam lá estar representados, mas acima de tudo procurei representar a tradição, não só através das caras e das violas, mas também através do uso de cores robustas que lembrassem os nossos verdes e azuis característicos, trabalhando em diversas camadas, que se sobrepunham, tal como a vida e as experiências que dela retiramos…

Foram cerca de 35 horas de pintura e havia mesmo tanto a dizer sobre este processo e todas as pessoas que me inspiraram e apoiaram durante a realização da obra, mas partilho aquele que foi “O” meu momento, quando a exaustão mental e física e a pressão da finalização já se apoderava de mim, e subitamente as lágrimas (de felicidade) escorriam-me pela cara ao som de uma música que dizia assim: “It doesn´t get any better then this..” e não, a vida não fica melhor do que isso…. É através do amor à arte que conheci pessoas incríveis, que fiz novas amizades e que me sinto, passados apenas 15 dias, não só uma artista mais experiente, como uma pessoa mais feliz.

Hoje (enquanto escrevo estas palavras no voo para casa) deixo no Pico uma grande parte de mim, para toda a história, mas levo o Pico no coração para toda a minha história… e embora hoje seja o dia da despedida, despeço-me com planos de em breve regressar…

Eternamente grata. Obrigada MiratecArts! Obrigada Pico!

 

Foto: Pedro Silva

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