As indefinições de Mário Centeno — Opinião de Sofia Ribeiro

sofia-ribeiroAndava meio Mundo a seguir os resultados das eleições americanas enquanto em Bruxelas, no Parlamento Europeu, se discutia o futuro de Portugal, discussão esta que passou despercebida da maior parte dos Portugueses. Não menosprezando a importância das eleições americanas (não exclusivamente pelo resultado, mas essencialmente pela análise da motivação dos seus eleitores), parece-me que a possibilidade de nos serem cortados, já no próximo ano, os fundos europeus estruturais e de investimento, merece toda a nossa atenção. Pelo menos está a envolver a comunidade europeia internacional.

Na passada terça-feira à noite, uma comissão restrita de deputados do Parlamento Europeu discutiu com os Ministros das Finanças português e espanhol a possibilidade da Comissão Europeia cortar ou reduzir o acesso aos fundos referidos, por terem ultrapassado o défice de 3% em 2015, acordado no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).

Pertencendo a esse grupo restrito, em representação da Comissão do Emprego e Assuntos Sociais, já por diversas vezes denunciei a total esquizofrenia desta situação, em que a Comissão não se pode demitir das suas responsabilidades nem agir exclusivamente como o polícia mau, aplicando cortes no investimento que são incompatíveis com o crescimento, ainda para mais quando agora estão envolvidos os apoios às empresas, às associações e até mesmo, individualmente, aos cidadãos Portugueses. Liderei um processo de confirmação da rejeição da aplicação de quaisquer sanções a Portugal e a Espanha, pela Comissão do Emprego numa primeira fase e pelo plenário posteriormente, como relatora do Parlamento do processo do Semestre Europeu deste ano, no que concerne aos assuntos sociais e do emprego.

Na passada terça-feira, perante Mário Centeno, voltei a reafirmar essa mesma rejeição. Adiantei, ainda, que não devia ter sido aberto um procedimento por défice excessivo ao nosso país, uma vez que a redução significativa verificada neste indicador justificaria, por si só, que fôssemos excluídos do processo. Recorde-se que, de 2011 até 2015, o défice português diminuiu cerca de sete pontos percentuais absolutos, fruto do esforço que tivemos de fazer quando pedimos ajuda externa por estarmos na bancarrota.

Mas estranhei igualmente a grande passividade do actual Governo português e disse-o terça-feira ao Ministro das Finanças, olhos nos olhos. O Governo é co-responsável pela manutenção desta situação, por não ter contestado os dados avançados pela Comissão Europeia quanto ao défice português de 2015. É que nesse ano o tão propalado défice foi de 2,98% e, portanto, inferior aos 3% exigidos, se excluirmos o efeito pela resolução do BANIF. Não sou eu quem o afirma, é o Governo, no seu orçamento de estado para 2017.

Porque não se agarrou a este dado o Governo português para contestar a abertura de um processo que nos irá prejudicar? Podemos eventualmente inferir que o Governo concede que a resolução de um banco deve ser admitida na contabilização do seu défice para efeitos de cumprimento do PEC, mas, assim sendo, temos motivos acrescidos para nos revoltarmos. Nessa situação, com a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, garantidamente não iremos cumprir com as nossas obrigações em 2017 (ou em 2016, se o processo findar este ano) e o Ministro das Finanças está manifestamente a mentir-nos quando afirma que cumpriremos com as margens estabelecidas.

Outra possibilidade é de estar o Governo PS a preparar terreno, atribuindo ao anterior Governo PSD as responsabilidades pelas penalizações que nos podem ser imputadas. É um raciocínio maquiavélico, mas que não pode deixar de ser feito, uma vez que se exigiria aos nossos governantes que utilizassem todos os argumentos para contestar a Comissão Europeia, o que não estão a fazer. Como disse ao Ministro temos de decidir se queremos ou não garantir um futuro decente aos Portugueses.

 

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