Lembro-me de, em criança, ter tido uma dificuldade de compreensão, nunca inteiramente superada, desta afirmação comum: “a excepção confirma a regra”… Para mim –criança –, a regra, para ser regra, não permitia excepções; as ditas excepções, a existirem, invalidariam a regra, a qual, afinal – dizia eu – já não se cumpriria. Ora, se não se cumpria, não era regra!
Explicaram-me então que as regras existiam porque, de alguma forma, não eram cumpridas! Estranho?! Pois, como sempre me pareceu… E acrescentavam: seria o não cumprimento das regras que justificaria a sua existência. Então, a regra existia para que pudesse vir a ser cumprida, apesar de não o ser, pelo menos na excepção…!
Enfim…nunca plenamente convertida a esta segunda interpretação e mantendo sempre uma secreta afinidade à primeira, lá tenho tentado um compromisso entre as duas para o discurso do quotidiano: as regras existem para ser cumpridas e qualquer não cumprimento ou excepção apenas deve reforçar a sua necessidade.
Esta semana, porém, descobri um novo significado para esta máxima, pela voz do nosso Primeiro-Ministro, com cuja compreensão me estou ainda a debater… Na primeira intervenção pública do chefe do governo sobre o incêndio de Monchique, enquanto este continuava a lavrar descontroladamente há então seis dias, ele afirmou que este incêndio “foi a excepção que confirmou a regra do sucesso da operação ao longo destes dias”.
Incrédula, supus não ter ouvido bem. Voltei à gravação da intervenção e confirmei. Desconfiada, supus que se tratasse de uma manipulação de voz – técnica cada vez mais perfeita e que ameaça dar substância às “fake news”. Mas quem estava presente confirma a veracidade da afirmação e o próprio não a desmente.
Regresso ao dito comum agora dito por António Costa num contexto desafiante: o sucesso do governo em evitar e extinguir incêndios é enorme e o incêndio de Monchique, em progresso descontrolado há uma semana, testemunha esse mesmo sucesso…!?!?
Depois lá se referiu a outras realidades que já consegui perceber: “as circunstâncias próprias” daquela região, o terreno; “as circunstâncias próprias” desta estação, a vaga de calor; “as circunstâncias próprias” daquela floresta, o tipo de vegetação. É claro que ainda pensei se o plano de prevenção e combate aos incêndios, tão elogiado pelo próprio, não teve em conta o terreno e o tipo de vegetação de cada região, as vagas de calor cada vez mais comuns… Também me lembrei de Monchique já ter passado pelo mesmo em 2003 e, por isso, até já existir (supostamente) conhecimento de experiência feito… E até tive a ousadia de pensar que, com tantas especificidades atribuídas a esta região, afinal o plano de prevenção e combate aos incêndios não chegou a contemplar Monchique: primeiro, por causa de todas as especificidades da zona que não cabiam no plano; depois talvez já então Monchique fosse a “excepção no plano para confirmar a existência do plano”…!