Quando sobrecarregas o sistema — Opinião de Pedro Mackai*

A internet é um recurso precioso, indispensável nos dias de hoje, para trabalho, educação, comunicação e lazer. Da informação aos jogos online, das salas de chat às redes sociais, ninguém parece ficar indiferente às inúmeras potencialidades desta poderosa ferramenta. Porém, nem tudo são vantagens. Quando utilizada de forma exagerada, a internet pode interferir na vida diária, no trabalho, na escola, nas relações sociais e na saúde do utilizador, podendo, nesta última vertente, acarretar comportamentos problemáticos com sinais e sintomas semelhantes aos de outras adições, como as drogas ou o álcool. Esta dependência não – química causa a longo prazo alterações biológicas que ocorrem ao nível dos neurotransmissores, concretamente da dopamina, neurotransmissor associado às experiências de prazer, tal como se verifica em situações de dependência de drogas, álcool, jogos de azar, sexo, comida e exercício físico.  

Quando o uso da internet se torna abusivo já não poderá ser encarado como saudável. Promove estilos de vida sedentários, originando, em muitos casos, doenças do foro psicológico, biológico e social. No domínio psicológico, resultam consequências como: solidão, isolamento, tristeza, depressão, ansiedade, impaciência, alterações de humor, alterações do estado de consciência, irritabilidade, dificuldades de atenção, apatia, transtornos psicóticos e desordens de personalidade.

Do ponto de vista biológico, os danos podem ocorrer ao nível da estrutura do cérebro, registando-se, de acordo com alguns estudos, uma diminuição da massa cinzenta, um importante componente do sistema nervoso central, associado a funções como por exemplo o controlo muscular e a perceção sensorial, podendo afetar a memória, a gestão das emoções e a própria fala. As mesmas alterações de dimensão estrutural poderão ocorrer ao nível da substância branca cerebral.

Para além da transformação ao nível do cérebro, o uso abusivo da internet poderá acarretar, ainda, inúmeras alterações físicas, entre elas a obesidade, distúrbios alimentares, privação de sono, tendinites, dores de costas e alterações visuais (ex.: fadiga visual ou visão turva), síndrome de Túnel Cárpico (causa de dores nos pulsos e mãos) e enfraquecimento do sistema imunitário.

Socialmente, são conhecidos algumas das consequências resultantes do uso abusivo da internet como o são: a fobia social, as dificuldades de relacionamento interpessoal, os problemas conjugais, a timidez, o isolamento e a solidão.

Presentemente, é amplamente difundida a ideia de que a forma como vivemos e comunicamos se alterou significativamente, registando-se transformações cerebrais que influenciam a forma como pensamos, sentimos e nos comportamos. Neste sentido, muito se tem investigado acerca do impacto do uso abusivo dos computadores e da internet no ser humano, verificando-se um esforço por parte de inúmeros profissionais para compreender, definir e contextualizar a problemática. De acordo com Abreu CN et al. (2008), são variados os termos utilizados para definir o uso abusivo de computadores: Internet addiction, Pathological Internet Use, Internet Addiction Disorder, Compulsive Internet Use, Computer Mediated Communications Addicts, Computer Junkies e Internet Dependency. Porém, apenas em 1996 foi efetuado o primeiro estudo como tentativa empírica de delinear o problema, por Young.  Desde a referida investigação, sucederam-se algumas tentativas para definir os critérios para diagnóstico de uso problemático da internet, sendo que, apesar de aceite que se trate de um transtorno, com referência à problemática no DSM – 5, manual de diagnóstico e estatística de transtornos mentais, não há consenso quanto à clara definição de critérios, prevalência, fatores de risco e consequências.

Em virtude da informação disponível, como podem os pais proteger os seus filhos de uma utilização abusiva?

Numa fase inicial, enquanto pequenos, é desejável fazer a sua supervisão, limitando o acesso à internet aos contextos onde os pais se encontram, por períodos de tempo previamente estipulados. Se for um expert na matéria ou se optar por uma estratégia digital, poderá instalar softwares de monitorização da atividade no computador, de forma a saber que websites foram consultados pelo seu filho e durante quanto tempo permaneceu conectado. Porém, numa fase posterior, já na adolescência, as estratégias terão de ser, forçosamente, diferentes. Nem softwares, nem outro tipo de controlo funcionarão perante o apurado conhecimento e o acesso facilitado a tecnologia de navegação cibernética. Deste modo, surge como solução sensata a partilha de informação com os filhos, alertando-os para os desafios que poderão resultar de uma utilização abusiva da internet e para a importância de assumirem uma vida familiar, escolar, social e desportiva ativa, respeitando uma boa alimentação e períodos de repouso adequados. Para além dos alertas face ao tempo de utilização da internet, os pais deverão dar a conhecer aos filhos os perigos com que os mesmos se poderão confrontar no mundo virtual, concedendo-lhes as ferramentas para que possam decidir adequadamente quando confrontados com os mesmos.

 

*Psicólogo e Técnico da Direção Regional de Prevenção e Combate às Dependências

 

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